Auta de Souza foi uma poetisa brasileira da segunda geração romântica. Quando tinha doze anos, vivenciou nova tragédia: a morte acidental de seu irmão mais novo, Irineu Leão Rodrigues de Sousa, causada pela explosão de um candeeiro (Wikipedia)
Ao Clarão da Lua
Auta de Souza
A Meu Irmão Eloy
O LÍRIO
Lá nas alturas, modesta e loura,
- Do Céu imenso na face nua -
A lua branca todo o Azul doura...
A NUVEM
Ah! se eu pudesse mudar-me em lua:
O PERFUME
E aquela estrela, tão pequenina
Que mal a gente consegue vê-la,
Como cintila, casta e divina!
A LUA
Ah! quem me dera ser uma estrela!
A NUVEM
O lírio branco, cheio de orvalho,
Invoca a lua no seu martírio
E doce e triste treme no galho...
A ESTRELA
Ah! quem me dera ser como o lírio!
O CÉU
Perfume doce bóia nos ares...
Virá nas asas de um vaga-lume?
Será da terra? Será dos mares?
O ORVALHO
Ah! quem me dera ser o perfume!
O POETA
Terno instrumento suspira ao longe
Numa cadência melodiosa...
Será na cela piedoso monge?
UMA CRIANÇA (sonhando)
Ah! quem me dera ser uma rosa!
A NOITE
O sonho vive dentro em meu seio,
Garrulo e meigo, doce e risonho,
Cheio de luzes, de aurora cheio...
O PERFUME
Ah! quem me dera ser como o Sonho!
A MADRUGADA (ao longe)
Ouvem? As aves já vêm cantando,
As estrelinhas tomam seu véu...
É tempo de irmos também chegando...
O CORAÇÃO
Ah! quem me dera subir ao Céu!
Janeiro de 1897.
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Ao Cair da Noite
Auta de Souza
A Maria Emília Loureiro
Não sei que paz imensa
Envolve a Natureza,
N’ess’hora de tristeza,
De dor e de pesar.
Minh’alma, rindo, pensa
Que a sombra é um grande véu
Que a Virgem traz do Céu
Num raio de luar.
Eu junto as mãos, serena,
A murmurar contrita,
A saudação bendita
Do Anjo do Senhor;
Enquanto a lua plena
No azul, formosa e casta,
Um longo manto arrasta
De lúrido esplendor.
Minhas saudades todas
Se vão mudando em astros...
A mágoa vai de rastros
Morrer na escuridão...
As amarguras doidas
Fogem como um lamento
Longe do Pensamento,
Longe do Coração.
E a noite desce, desce
Como um sorriso doce,
Que em sonhos desfolhou-se
Na voz cheia de amor,
Da mãe que ensina a Prece
Ao filho pequenino,
De olhar meigo e divino
E lábio aberto em flor.
Ah! como a Noite encanta!
Parece um Santuário,
Com o lindo lampadário
De estrelas que ela tem!
Recorda-me a luz santa,
Imaculada e pura,
Da grande noite escura
Do olhar de minha mãe!
Ó noite embalsamada
De castas ambrósias...
No mar das harmonias
Meu ser deixa boiar.
Afasta, ó noite amada,
A dúvida e o receio,
Embala-me no seio
E deixa-me sonhar!
Leia também:
Auta de Souza escrevia poemas românticos com alguma influência simbolista, e de alto valor estético. Segundo Luís da Câmara Cascudo, é "a maior poetisa mística do Brasil. (Wikipedia)
Falando ao Coração
Auta de Souza
A Generosa Pinheiro
Desperta, coração! vamos morar
N’uma casinha branca, ao pé do Mar...
Que seja linda como é linda a Lua
Que em noites santas pelo Azul flutua:
Imaculada como a luz do Amor,
Alva de neve como um sonho em flor.
Quando a Noite vier... se no meu seio
Estremeceres cheio de receio,
- Tremendo a sombra que amortalha o Dia
E cobre a terra de melancolia, -
Longe do mundo e da desesperança,
Hei de embalar-te como uma criança.
Quero que escutes o gemer profundo
Do Mar que chora a pequenez do mundo
E ouças cantar a doce barcarola
Da noite imensa que se desenrola,
Dando perfume ao coração dos lírios,
Trazendo sonhos para os meus martírios.
E quando o Sol nascer; quando, formosa
Como uma garça branca e misteriosa,
Batendo as asas cor de neve, a Aurora
Vier cantando pelo mundo a fora,
Rufla as asas também... e forte, então,
Tu podes palpitar, meu coração!
Acorda para a Vida e canta e canta,
O Sol da Terra - iluminada e santa!
Deixa o teu sonho de saudade e dores
Dormir no seio trêmulo das flores...
E foge e foge pelo Espaço, à toa,
Pomba exilada que a seus lares voa!
Esquece a louca e pálida amargura
Que há tantos anos meu viver tortura...
Canta o teu hino de ilusão querida,
Esquece tudo o que não seja a Vida,
E, para o Céu das alegrias mansas,
Conduz nas asas minhas esperanças...
Não vês? Minh’alma é como a pena branca
Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com ela assim, de ramo em ramo,
Para um ninho gentil de gaturamo...
Leva-me, ó coração, como esta pena
De dor em dor até à paz serena.
Desperta, coração, vamos morar
N’uma casinha branca, ao pé do Mar...
Quero que escutes, a sonhar comigo,
A queixa eterna do Oceano amigo
E ouças o canto triunfal da Aurora
Batendo as asas pelo Mar a fora...
Barro Vermelho.
Auta de Souza (Macaíba, 12 de setembro de 1876 — Natal, 7 de fevereiro de 1901) foi uma poetisa brasileira da segunda geração romântica (ultrarromântica, byroniana ou Mal do Século). Wikipedia
De joelhos
Auta de Souza
A Maria da Glória Penna
Ajoelhada, ó minh’alma, abraçando o madeiro
Em que morreu Jesus, o teu celeste amigo!
A seus pés acharás o pouso derradeiro,
O derradeiro amparo, o derradeiro abrigo.
Ajoelha e soluça... A noite, mãe piedosa,
Te aperta contra o seio e te ensina a rezar...
Balbucia a oração, pequenina e formosa,
Das estrelas no céu e das ondas no Mar.
Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca.
Ajoelha e repete a prece imaculada
Que aprendeste a rezar no tempo de criança;
Deixa a prece subir como uma ária encantada
Se evolando da terra ao País da Esperança.
Ajoelha e soluça... A dúvida, que importa?
Ninguém poderá rir ante uma dor tamanha...
Todos beijam a Cruz, toda a descrença é morta
Quando se chega ao pé da sagrada montanha.
De joelhos, minh’alma, ao pé do lenho santo
Em que sofre Jesus a derradeira pena!
Deixa cair-lhe aos pés em gotas o teu pranto...
Que as enxugue no Céu a doce Madalena!
Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca...
Serra da Raiz - 2 - 1898
Leia também:
- O Homem Forte, Gonçalves Dias | Literatura Brasileira
- Sinhá, de Machado de Assis.
- Escravocratas, de Cruz e Sousa
Por Blog Caderno de Educação



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