A FLOR DO AMOR
já lento o passo, no cair da tarde,Lá nos desertos d’abrasada areia,Que o vento agita, porém não recreia,da caravana o condutor parou.Armam-se à pressa tendas alvejante,Rumina plácido o frugal camelo;Porém a nuvem d’árabes errantesSe achega à presa, que de longe olhou.
E já, tomada a refeição noturna,Junto a fogueira, que derrama vida,Descansam todos da penosa lidaÀ voz canora, que o cantor alçou!Confuso o ouvido um burburinho alcança,As armas toma o árabe prudente;Mas logo pensa, rejeitando a lança:“Foi o grunhido que o chacal soltou.”
Ouvidos todo e curioso enlevo,torna de novo a retomar seu posto;Pela fogueira alumiado o rosto,Bebendo as vozes que o cantor soltou;Simelha a terra, quando aberta em fendasDa noite o orvalho sequiosa espera;E o corcel árabe encostado às tendasOs sons lhe escuta, e de os ouvir folgou.
“Algures cresce (o trovador cantava)Sempre fresca e virente e sempre bela,Por influxo e poder de maga estrela,Mimosa, pura e delicada flor!Jazendo em sítio escuso e solitário,Esforços é mister p’ra conhece-la,Que diz a forte lei do seu fadárioQue a não descubra acaso o viajor.
“Alva do albor dos lírios odorosos,Tem a modéstia da violeta esquiva,e o pronto retrair da sensitiva,Que parece vestir-se de pudor!Assim, à luz da cambiante aurora,Mudando um poço a resplendente alvura,De uns toque de carmim s’esmalta e coraA graciosa e pudibunda flor.
“Faz-me mais puro o ar, mais brando o clima,Onde cresce; amenizam-se os lugares,Tornam-se menos agros os pesaresE menos viva, e quase nula a dor;Fresca e branda alcatifa o chão matiza,Com doce murmúrio as aguas correm,e o leve sopro do correr da brisaVolúpia embebe em mágico frescor!
“Feliz aquele que a encontrou na vida,Que onde ela nasce tímida e fagueiraNão s’enovela a mó d’atra poeira,Tangida pelo simum abrasador!Ali sorri-se oásis venturoso,Qu’entre deleites o viver matiza,E ao que vai triste, aflito e sem repousoChama a descanso de comprido error!
“Feliz e mais que se, perdido, acharaConforto e auxilio no catá, seu guia,Que o leva a fonte perenal e friaOnde se apaga o sitibundo ardor.Tão feliz, qual talvez se o precedesseQue por fanal noturno lhe acendesseMaga estrela de límpido fulgor.
“Ai! porém do que a vê, e a não conhece,Do que a suspira em vão, e a em vão procura,Ou que achando-a, desiste da venturaPor não entrar no oásis sedutor.Essa flor descoberta por acertoNunca mais a verás! colhe, insensato,Colhe abrolhos da vida no deserto;Pois desprezaste a que produz o amor!”
Assim cantava o trovador; e todosOuvem-no com prazer de dor travado,Que mais do que um talvez terá deixadoAtrás de si a pudibunda flor!No entanto a nuvem d’árabes errantesChega-se à presa, que avistou de longe;E dos corcéis, que alentam ofegante,Precede a marcha túrbido pavor!
E, nado o sol, aquele que passavaPelos desertos d’abrasada areia,Que o rubro sangue de cruor roxeia,A um lado o rosto pálido, voltou!Ninguém as mortes lastimáveis chora,Ninguém recolhe os restos insepultos,E o mesmo orvalho, que goteja a aurora,Sem borrifa-los, no areal ficou
Quem saberá do seu destino agora?Ninguém! Somente em climas apartadosMiseranda mulher lastima os fadosDe filho ou esposo, que jamais tornou!Talvez porém, trás de montões d’areia,Nobre corcel sem cavaleiro assoma,E alonga avista, de pesares cheia,Te onde a vida seu senhor deixou!
Gonçalves Dias
já lento o passo, no cair da tarde,
E já, tomada a refeição noturna,
Ouvidos todo e curioso enlevo,
“Algures cresce (o trovador cantava)
“Alva do albor dos lírios odorosos,
“Faz-me mais puro o ar, mais brando o clima,
“Feliz aquele que a encontrou na vida,
“Feliz e mais que se, perdido, achara
“Ai! porém do que a vê, e a não conhece,
Assim cantava o trovador; e todos
E, nado o sol, aquele que passava
Quem saberá do seu destino agora?
- Um Apólogo de Machado de Assis
- Epicédio: A Morte de Salício, de Cláudio Manuel da Costa
- Os Alerquins 5 - Machado de Assis
A literatura brasileira, considerando seu desenvolvimento baseada na língua portuguesa, faz parte do espectro cultural lusófono, sendo um desdobramento da literatura em língua portuguesa. A obra de Gonçalves Dias enquadra-se no Romantismo, pois, a semelhança do que fizeram os seus correlegionários europeus, procurou formar um sentimento nacionalista ao incorporar assuntos, povos e paisagens brasileiras na literatura nacional.
- Um Apólogo de Machado de Assis
- Epicédio: A Morte de Salício, de Cláudio Manuel da Costa
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Por Blog Caderno de Educação



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